7 de dez. de 2014

Sobre cotovias e lobos


         Todas as manhãs de domingo, quando eu me levantava, ele estava lá, sentado na grande sala de estar da casa de minha infância com um livro nas mãos, às vezes um jornal ou uma enciclopédia. Meu pai. Filho de imigrantes italianos que vieram ao Brasil fugidos da tragédia da guerra, um mecânico de máquinas agrícolas, tinha grandes mãos que cheiravam a graxa, pouca escolaridade, mas lia Vitor Hugo. Meu avô Isidoro, homem simples e austero,  trouxe na bagagem a esperança de construir uma vida de paz e um amor pelas notícias, era comum vê-lo voltar da rua, aos sábados, com um jornal debaixo do braço que ele lia ávida e silenciosamente.  E assim minha infância se fez, numa casa antiga, cheia de tios e tias falantes, crianças barulhentas e entre dois homens que gostavam de ler.

  Aos cinco anos minha vida era povoada de histórias que meu pai Mário nos contava à noite. Elas falavam de reinos distantes, terras longínquas numa Europa desconhecida, de povoados cobertos de neve com lobos que uivavam à noite e cotovias que cantavam ao amanhecer. Outros mundos, outros povos, entravam pela janela nas noites frias de inverno e enchiam nossa casa de vida, enquanto nos enrolávamos nas mantas em nossas camas. Entre jornais, livros e histórias, a minha alfabetização se deu rapidamente e ao entrar na escola eu já conhecia as letras. Então vieram as revistas em quadrinhos que chamávamos de gibis, me pai as comprava regularmente para mim e minhas irmãs e o meu mundo se encheu da alegria e ingenuidade do Cebolinha e da Mônica e da magia de Walt Disney: Tio Patinhas, Donald, Margarida  e Mickey eram meus companheiros inseparáveis. Eles estimulavam a minha imaginação e me despertavam para outras leituras que viriam a seguir. Aos nove anos comecei a frequentar a biblioteca da cidade e conheci o mago Monteiro Lobato que me pegou pela mão, me levou ao sítio encantado de dona Benta,  me apresentou Emília, Pedrinho e Narizinho. Minha casa não tinha luxo, mas era povoada de sonhos que a leitura me trazia e era comum eu passar horas escondida debaixo de um pé de limão, no fundo do quintal, perdida no reino das águas claras...
     À medida que fui amadurecendo, a escola também foi fazendo o seu papel, me apresentou outros autores, veio a série Vagalume com suas aventuras saborosas e a sensibilidade explícita de José Mauro de Vasconcelos...
     O tempo passou, outras leituras foram acrescentadas a minha vida, leio  livros, jornais, revistas, leio o mundo. Hoje minha casa é cheia de livros de todos os tipos que se espalham por todos os cômodos e que a empregada vive teimando em acomodar. Literatura que vai do Brasil à Rússia, de contos a romances e crônicas, e jornais, e gibis... Sim, devo admitir que ainda tenho um prazer dolorido de entrar numa banca de jornal, pegar um Pato Donald nas mãos, levá-lo ao nariz e sentir o antigo  cheiro  de tinta que orvalhou minha infância. E que mesmo tendo partido há tantos anos, meu avô ainda me acena com seu jornal enquanto desce a rua ensolarada nas manhãs de sábado. E nas noites de inverno, ainda ouço a voz de meu pai sussurrando suas histórias fantásticas sobre lobos e cotovias, enquanto o vento canta lá fora...



30 de mar. de 2014

Outonando

Batidas delicadas na janela
Suave sussurro do vento 
Ao abrir, encontrei o Outono...